Dia 5: Quinta, 19 de julho de 2012.
O tempo voa, amor. Escorre pelas mãos. Ah, o tempo! Esse trem bala que só passa num horário pra depois nunca mais voltar. Deixa rastros de saudade por onde passa. É como a torrente de um riacho, é novo a cada instante. Mas nós, que estamos sujeitos a ele, envelhecemos. O corpo não responde ao que a mente nos desafia. Cada ruga, uma grande traição, uma grande conquista, uma grande energia liberada. E se vai mais um pouco de nós. O tempo é implacável. Não perdoa grandes e pequenos, ricos e pobres, socialistas e liberais, ateus e crentes. E por isso é odiado por tantos. Porém ele também nos revela quem somos, quem os outros são, o que de fato tem valor na vida. E quando estamos mais aptos a viver esta vida, percebemos que já passou. O trem que saiu às onze horas, agora nem amanhã de manhã.
Mesmo assim liguei de manhã cedo para a diretora do asilo, a fim de saber o horário que poderia chegar para ajudar com os idosos, pois não tínhamos conseguido combinar o horário antes. Ela pediu que eu viesse no período da tarde e a maior ajuda seria conversando com eles mesmo, dando carinho e atenção. Quando cheguei na sala de TV onde a maioria deles estava, fiquei espantado. Era muita gente. As crianças do orfanato eram pequenas, não ocupavam tanto espaço. Mas os 30, 35 idosos naquela sala grande pareciam ter pego algum tipo de senha e estar esperando serem atendidos. E, sim, acho que estão esperando até agora. O amor de seus familiares.
Comecei me apresentando aos poucos para cada um, conversando um pouco. Perguntei seus nomes. Maria José, Maria da Penha, Maria Augusta... Quanta Maria! Ah, tinha a Amélia, essa sim "que era mulher de verdade"! Aos poucos fui percebendo que a maioria tinha algum tipo de esclerose. A minoria estava lúcida. Muitas ficavam em cadeiras de rodas, outras presas com um lençol no sofá para não caírem. Mas quase todas conversavam, tinham algo pra compartilhar. Hoje só vi um homem, acho que os outros estavam em seus quartos. Segurando nas mãos dessas senhoras adoráveis, ouvia cada palavra olhando em seus olhos. Ria com elas. Tem uma das Marias (não me lembro o sobrenome agora) que era um barato! Ria o tempo todo de tudo! Contava piadas curtas que ela extraía do próprio cotidiano. Com todo respeito, me lembrou até um pouco a Dercy Gonçalves! Hehehe. Tinha uma senhora que era da Assembléia de Deus há oitenta anos - como ela mesma se descreveu assim que eu disse oi. Conheci a Nadi, a Mary Betânia, a Ita, a Dora (uma ceguinha que adorava ficar cantando), a Madalena, a Gracinda (que amava qualquer elogio que eu fizesse a ela e o próprio fato de eu lembrar de seu nome... ela me chamava pelo nome de seu filho), a Alíria, dentre outras. Hoje eu acho que gravei o nome de todas elas - ou quase isso. Quanto amor recebi! Mais do que dei certamente. Mulheres de personalidades diferentes, histórias diferentes, condições econômicas diferentes e um mesmo destino.
O asilo tem boa estrutura e bastantes funcionários. Não é público (descobri que não existe asilo público em Niterói, infelizmente), mas é subsidiado por empresas e pessoas com compromisso social a fim de oferecer o que oferece a um preço acessível para quem precisa. Para mim o pior da história não é o fato dessas pessoas encontrarem-se num asilo, embora isto esteja longe do ideal desejado por alguém. Mas o fato de serem abandonadas até a morte por seus familiares. Não receberem visitas dos seus filhos e netos. Não serem levadas para passear num fim-de-semana que seja. Muitos fazem isso. Conversando com alguns idosos, principalmente os mais lúcidos, percebi isso. Covardia! Maldade! Crueldade! Suas mães e avós têm sentimento, caramba! E já se doaram muito pra serem simplesmente descartadas no fim de sua vida. Mas o tempo, como já disse, é implacável. A velhice e a morte chegam para todos um dia. E a justiça do Senhor do Tempo também.
Confira, hoje ainda, como foi o penúltimo dia do Desafio do Seminarista!
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