Trabalho e Descanso

"Havia um homem totalmente solitário; não tinha filho nem irmão. Trabalhava sem parar! Contudo, os seus olhos não se satisfaziam com a sua riqueza. Ele sequer perguntava: 'Para quem estou trabalhando tanto, e por que razão deixo de me divertir?'. Isso também é absurdo; é um trabalho por demais ingrato!" (Eclesiastes 4.8)

O trabalho é um valor bíblico. O Senhor Jesus mesmo, ao se referir ao suprimento dos seus discípulos no cumprimento da missão, disse: "o trabalhador é digno do seu sustento" (Mateus 10.10). E o apóstolo Paulo, diante de alguns da igreja que queriam se escorar no trabalho de outros, disse: "se alguém não quiser trabalhar, também não coma" (2 Tessalonicenses 3.10). Sim, não só é digno e de muito valor aquele que trabalha, como não é honroso se, propositalmente, queremos viver do trabalho de outros.

Contudo o trabalho não é um fim em si mesmo. Eu lembro até hoje do meu primeiro chefe dizendo: "trabalho é meio de vida e não de morte". Ele me dizia isso quando me via trabalhando após o horário do expediente. Claro, eu sei que nem todos chefes têm essa compreensão - só os que são líderes de verdade. Essa distinção entre chefe e líder ficarei devendo a vocês por ora. E, sim, pode ser que, em determinadas circunstâncias, seja legítimo e de muito valor o empenho laboral para além do horário oficial. E tal deve ser recompensado - a nossa lei, inclusive, prevê isso. Mas, de forma geral, devemos ter cuidado com o lugar do trabalho em nossas vidas. E isso passa por questionarmos se o trabalho é um meio ou um fim.

Ele pode ser uma fuga. De casa, de questões que tememos enfrentar, de relacionamentos profundos. Pode ser um sintoma. De materialismo, de uma estima hipercarente de aceitação e aprovação, de um perfeccionismo patológico. Quando deveria ser um meio para que outros fossem bem servidos em suas necessidades, um meio para o cumprimento de nossa vocação, ou mesmo para que nós tivéssemos o suficiente para vivermos com algum conforto - mas não necessariamente luxo, se às custas de bens mais valiosos como nossa saúde e as pessoas que amamos.

O problema não está em se trabalhar muito, ou ainda em se ganhar muito dinheiro. O problema é quando o trabalho se torna um ídolo, quando toma o lugar da nossa comunhão com Deus, quando nos poupa de vivermos relacionamentos importantes. Jesus mesmo disse: "Não é a vida mais importante do que a comida, e o corpo mais importante do que a roupa?" (Mateus 6.25). Pode ser que o excesso de trabalho revele muito sobre nós, que revele que precisemos descansar mais debaixo da provisão divina, dar mais atenção a outras áreas da vida.

O princípio do Shabbat, ou da guarda do dia de descanso, deveria nos acompanhar na vida. E não estou falando aqui de dias separados para o culto público, mas de algo muito maior: assim como é uma necessitade trabalhar, é uma necessidade descansar. O próprio Deus demonstrou isso na criação. Assim como é urgente sobreviver, é urgente viver. Afinal, a vida é um sopro. Ou, como diria a canção, "a vida é tão rara". E é mesmo.

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